LUZ
era um homem cuja realidade se resumia a batalha para superar "o
mundo da ilusão".
Foi
assim que LUZ passou a vida toda preso na ilusão de que estar
superando a i-lus-ão.
A
ilusão de LUZ era a sombria realidade do mundo material. Mesmo
encarnado ele vivia a ilusão de vencer a matéria. LUZ não curtia
Jesus e jamais poria no carro o adesivo "100% Jesus". Carro
até vai. Mas carro com Adesivo é muita matéria para o gosto do
Luz. Mas, mesmo sem adesivo, o sonho oculto de LUZ era um dia ser “
100% LUZ”.
Um
ex-amigo bebâdo, sábio e sombrio cruzou com LUZ na rua e disse:
"Quer virar luz? De um tiro no ouvido!!!".
Mas
LUZ não ouviu esse som. Iludido pela luz, LUZ não ouvia sons
oriundos da sombra. Luz na verdade, não ouvia som algum. Quando
muito, a própria voz.
É
que Luz era muito humilde. Tão humilde que ficou dominado pela
arrogância típica das pessoas que se auto-definem humildes. E foi
assim que não percebeu a realidade dita pelo sombrio corpo material
do sábio ex-amigo bêbado dominado pela ilusão.
LUZ
ficou sozinho por muitos e muitos anos. Sozinho e arrogante. Com
tristeza galopante, LUZ ficou sombrio.
Até
que no auge da escuridão a luz finalmente chegou. E veio na forma de
som.
Começou
com uma mudança sutil em sua material corda vocal.
Há
anos o LUZ falava sozinho. Era uma prática oculta: a busca da
retórica perfeita com a oralidade ideal. Ele sabia que a voz é
música e a música é a mais espiritual das artes. E quando menos
esperava, quando já estava nas profundezas de suas sombras, chegou
uma luz. E com ela a grande mudança: a voz de Luz alcançou o exato
tom iluminado.
Luz
sempre falara pausado. Mas antes seu tom era apenas chato. Agora sua
corda vocal, numa mutação iluminadíssima, desenvolvera uma
técnica que dava a impressão que sua voz vinha de longe. De trás.
Do alto. Sublime e avante. A voz de LUZ era etérea. O som de LUZ
era um som sagrado.
Mas
era apenas uma sutil mudança vibratória em sua material corda
vocal.
A
voz de LUZ causou impacto. Quando Luz falava, seu corpo era como um
boneco de ventríloquo, controlado pela luz do iluminado espírito do
LUZ. A voz parecia vir de longe, direto da luz até o som, sem se
contaminar pela sombria matéria material. Luz não precisava nem
mexer a boca, esse tão carnal aparelho sonoro.
Logo
LUZ ganhou adeptos. Quando LUZ falava o seu público - que odiava
seus próprios degradados corpinhos materiais - vibrava em silêncio
respeitoso. De etéreo balão solitário a flanar na ilusão de
criticar ilusoriamente o "mundo da ilusão" material, LUZ
finalmente, virou uma luz que ilumina. O sucesso foi tanto que LUZ
falava em grandes palcos materiais super iluminados por grandes
holofotes materiais, para uma imensa platéia de sombrios corpos
humanos materiais encarnados que – a procura da própria iluminação
e do próprio desapego da matéria - iam ouvir os sons emitidos por
LUZ. Ninguém ligava muito para o conteúdo por trás do som, era o
mesmo de sempre. O que colava mesmo era voz do LUZ. Ou como disse um
fã mais heavy, ainda em início de conversão: “o cara faz um mega
som iluminado”.
E
foi assim, emitindo sons iluminados, que o corpinho material de LUZ
conseguiu, finalmente, ser feliz na parte sombria da matéria. Está
certo que LUZ evitava sorrir, pois “seria carnal demais”. Mas
era feliz. Quando ele menos percebeu, estava realmente iluminado.
Feliz, pleno.
Combater
"o mundo material da ilusão" virou uma realidade
material. E LUZ chegou a iluminação devido a sua material corda
vocal que emitia uma sonora onda espiritual.
Ou
como já disseram em algum lugar sagrado: no princípio era o verbo.
Moral
da história
Ilusão
que só ilude só, é só ilusão que se ilude só. Mas ilusão que
nos ilude junto, é realidade.
Nem
se essa ilusão for a ilusão de “combater a ilusão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário