Tenho
fé.
Fé
de que tudo tem sentido, de que “Deus não joga dados com o mundo”
(Einstein) e de que existe uma ordem divina. Uma ordem que eu não
tenho a mínima ideia do que seja.
Reafirmo:
eu tenho fé em algo que não tenho a mínima ideia do que seja.
A
diferença da minha fé para as doutrinas (religiosas, cientificas,
políticas) é que ela sobrevive a minha completa confissão de plena
ignorância.
A
grande maioria do mundo se divide em dois tipos: os que realmente tem
dúvidas e vivem em crise. Vivem perdidos, pessimistas, em depressão,
reclamando.
E
os que tem fé na vida vivem mais plenos, são otimistas. Mas
conquistam sua fé se apegando a alguma certeza inconteste. São as
doutrinas.
Mas
ter fé com doutrina é fácil. Difícil é ter fé em meio à
humildade de admitir que não sabe o que está acontecendo. Essa é a
verdadeira fé em deus.
A
verdadeira fé não é doutrinária. A fé doutrinária é fé nos
homens, em algum homem que concebeu a doutrina. A fé em Deus é
muito mais que isso.
A
fé é algo que nos dá confiança e otimismo pois sentimos “que
está tudo certo”. A forma mais comum para chegar a isso é se
apegar às doutrinas. A doutrina simplifica o mundo, escondendo do
“crente” a complexidade da criação divina. A doutrina é uma
narrativa (ou um modelo matemático, no caso da ciência) que dá
ordem humana ao aparente caos divino. A doutrina é apenas uma ficção
bem construída.
Um
exemplo de doutrina religiosa: toda a palavra de Deus está na
Bíblia.
Nada
menos humilde do que acreditar que algum grupo de seres humanos
redatores (que, aliás, eram muito talentosos e inspirados)
conseguiram explicar toda a criação divina. Eu sei que eles estavam
conectados com Deus, ok. Mas eles ainda eram humanos. Eu prefiro
acreditar em Deus, não em humanos.
Isso
não significa que não existe verdade na Bíblia. Com certeza existe
verdade lá. Mas é apenas uma parte da verdade. Uma parte que serve
muito bem à grande parte da humanidade e dá sentido à existência
de muitos homens. Maravilhoso. Sou muito grato aos autores desse
livro fantástico. Tiveram uma conexão impressionante com a
divindade e vem dando até hoje alegria a milhares de vidas. Mesmo
assim, como tudo que é humano, ela é apenas uma parte da verdade.
A
verdade mesmo é muito mais complexa. Muito mais. E uma verdade não
exclui a outra.
Na
ciência isso fica mais claro. A física newtoniana não está
errada. Ela funciona dentro de determinadas variáveis. Em outras
elas não funciona. Ela é parte da verdade. Já a mecânica quântica
funciona dentro de outras variáveis. E a teoria da relatividade em
outras. Elas não são erradas. Ao contrário, mesmo sendo
antagônicas em muitos pontos, todas são verdadeiras. Deus é isso.
Ele consegue ser duas coisas ao mesmo tempo. Nós, humanos, é que
somos mais burrinhos e temos que limitar a complexidade divina para
entender ao menos alguma pequena parte de sua maravilhosa criação.
O
mesmo acontece com religião. Há quem perca tempo provando que uma
determinada crença religiosa é “falsa” pois não se aplica a
determinada situação. Exemplo: não existiu Adão e Eva. Pois teve
evolução. Quando a pessoa pensa que é falso Adão e Eva porque é
verdadeira a evolução a pessoa está sendo doutrinária. Ela está
acreditando que a verdade científica se contrapõem à verdade
religiosa. Na verdade mesmo, ambas são verdades. Cada um para
determinada variável social. Quem ataca a crença de Adão e Eva com
a suposta sabedoria científica está sendo tão doutrinário quanto
o religioso que não acredita na evolução por conta de acreditar em
Adão e Eva. É como seu um físico quântico perdesse tempo tentando
provar que a relatividade é falsa. O difícil é aceitar que ambas
são verdades, cada uma para uma determinada variável. Isso é
aceitar a complexidade da criação divina.
O
mesmo acontece com a variedade religiosa. Cada religião tem uma
crença diferente, muitas contraditórias. Podemos acreditar que
todas são falsas. Mas eu prefiro acreditar que todas são parte da
verdade. Se essa narrativa religiosa (ou essa equação matemática)
tem uso prático na vida de alguém é porque é parte da verdade.
É
fácil acreditar num Deus construído como um personagem humano. O
difícil é acreditar em Deus admitindo que você não tem a mínima
ideia do que se trata. Essa é a verdadeira fé.
Se
auto-emburrecer para ter fé é muito fácil.
E
perigoso.
Toda
doutrina é apenas uma parte da verdade, que não exclui as outras.
Se você realmente acreditar que uma parte da verdade (que pode ser a
sua preferida) exclui todas as outras, você corre o risco de virar
um fanático. Foi assim que começaram todas as guerras e
extermínios. Como eu já disse, as doutrinas (sejam matemáticas,
sejam as religiosas, sejam as teorias da história, ou sejam as
fábulas) são apenas ficções que inventamos para equacionar
algumas variáveis do mundo. São super úteis, tem real uso prático,
seja psicológico, seja material (construir casas, por exemplo). Mas
são apenas ficções . Parte da verdade organizada pela mente
humana. O problema é que essas ficções são super bem construídas
(o ser humano é burrinho, mas até que para nosso nível de
inteligência, somos bem inteligentes) e podem parecer verdade
absoluta. Nesse momento você vira fanático.
O
objetivo mesmo é ter fé em meio à dúvida. Ter fé sem precisar de
doutrina.
Temos
que ter fé em meio (e em louvor) ao aparente cáos da criação
divina.
Temos
que ter fé que está tudo certo, mesmo ser ter a mínima ideia do
que está realmente acontecendo. Pois, no fundo, qualquer pessoa que
parar para pensar de verdade percebe que não temos a mínima ideia
do que REALMENTE está acontecendo. Por que Deus criou o mundo? Só
para testar os humanos? Deus seria tipo o Pedro Bial no Big Brother?
(Pode ser verdade para povos do velho testamento, mas me parece pouco
para os dias de hoje). Ou falando da criação. Você pode achar que
Deus não criou a terra em sete dias como estÁ no Gênesis. Teve um
Big Bang. Ok, mas e daí? Big Bang do quê? Algo tinha antes para
explodir certo? Quem criou esse algo antes? Por que explodiu? Acho
tão absurdo acreditar no Gênesis quanto no Big Bang. Odeio quando
os cientistas se tornam arrogantes e fanáticos com esse tom de que
entenderam tudo só porque descobriram através de umas fórmulas
matemáticas (ficção) que uma pedra grande explodiu bilhões de
anos atrás. Acho isso lindo e misterioso, adoro ler sobre isso. Mas
isso não pode nos fazer perder o fascínio pelo mistério da
criação. É uma história linda essa da bola que explode. Mas ela
não tem começo. Quem criou a bola? Será que essa bola foi criada
em sete dias? Resumindo: eu concordo que o Big Bang realmente
aconteceu, li os livros de ciência. Mas acho que o Gênesis também
aconteceu. Pois se existem pessoas que acreditam nele, ele passa a
acontecer. São ambas as parte da verdade, não a verdade absoluta.
Por
tudo isso afirmo que a verdadeira fé não é arrogante. Ela não tem
explicações para tudo. A verdadeira fé admite sua ignorância.
Essa é a única fé que consegue louvar a beleza da infinitamente
complexa criação divina. Esse é o verdadeiro pensamento
científico. E é o verdadeiro impulso religioso.
E
para terminar uma confissão final. Comecei o texto dizendo que sou
crente e que tenho fé. Admito que gostaria de ser sempre um homem de
fé. Tenho tentado, mas nem sempre consigo. As vezes tenho crises de
fé e deixo de ser otimista com a existência. Mas pretendo nunca
mais ter esse tipo de crise. E para não ficar chamando a crise vou,
a partir de agora, sempre afirmar que tenho fé incondicional e
irrestrita, para ir convencendo meu cérebro (e o mundo envolta dele)
dessa verdade e tentar, assim, alcançar a verdadeira e infinita fé
em tudo. Mesmo no que eu não concordo. Quando eu tiver fé no que eu
não concordo, concordarei com tudo e terei fé em toda criação
divina. Aí sim, estarei louvando a maravilhosa diversidade divina.
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