Era
seu último dia de trabalho, véspera do feriado eterno que ele mesmo
se presenteara. Deus já tinha feito o cosmos, a lua, as estrelas, a
terra e o mar. Também tinha feito os bichos, as moscas, as bactérias
e até o ornitorrinco. Mas ele sentia falto de algo mais. Deus
sentia que suas ferias teriam muita contemplação da natureza, muito
lirismo lindo, tudo azul. Deus, safo como era, viu que podia ser
muito chato passar a eternidade apenas observando aquele imenso
mundo, como se a vida fosse uma eterna exibição de documentários
naturalistas do Animal Planet. Deus sentia falta de um drama, uma
novelinha básica das oito, um melodrama. Foi tentando conversar com
um macaco peludo que Deus teve a idéia: bem que esse macaquinho
podia falar, né? Deus riu de sua própria piada. Imagina uma macaco
falante, rsrs.. Mas ousado como era Deus decidiu correr o risco e ver
no que ia dar. Foi assim que surgiu Adão. E Eva. Mal sabia Deus o
destino que lhe esperava.
Sim!
Adão e Eva surgiram juntos, ao mesmo tempo. Fazia uns dias já,
desde logo após as amebas, que Deus inventara os animais em dupla. E
inventara o sexo. Deus gostou da ideia e adotou o sexo como padrão a
partir dali. Pois, convenhamos: ver um sexo animal era bem mais
divertido do que ver bolinhas moles se dividindo sozinhas!
Mas
a criação de Adão e Eva logo virou um problema. Esta certo que
eles falavam, mas falavam o tempo todo. E eram meio chatos,
repetitivos. Adão entrou numas de contemplação Riponga e saiu
saltitante pelo campo maravilhado com as belezas da criação. As
vezes voltava com uma flor na mão, uma minhoca sua nova melhor
amiga, um celular conectado no face book.. Tudo para Adão era
divino. Deus ficou até meio preocupado com essa toda essa animação
saltitante e chegou a pensar: filho meu tem que ser macho!”. Mas
tolerante como era logo desistiu de ações repressivas com seu
saltitante macaco falante.
Com
Eva era pior. Ela vivia reclamando da decoração: “Que papo é
esse da água ser incolor inodora e insípida? Odeio coisa insipida,
que horror..”. “E aquela sacada lá? “, disse Eva apontando ao
monte Everest. “Não dá para fazer mais baixa não? A vista é
boa, mas só maluco para subir lá”. E a pior, a queixa que deus
realmente magoou: “Mas afinal..Quem é o decorador dessa joça?”.
Era tanta reclamação que Deus sentiu pela primeira vez o peso de
ser homem. Homem casado. Tanto que, na outra vez que veio a terra
bilhões de anos depois, Deus optou por ser solteiro. Mas isso é
outra história.
O
fato é que era véspera do feriado eterno e Deus tinha pouco tempo
para consertar aquela coisa toda. Ele começara a ver que, com Eva
reclamando como louca, a vida no paraíso seria um inferno. Eva
queria tanta atenção que nem contemplar os animaizinhos tranquilo
Deus podia mais. Para Deus, que já já iria partir dali, o Paraíso
seria um péssimo canal televisivo para ele sintonizar nas ferias
eternas que ele tanto planejara. Todo seu esforço de 6 dias seria em
vão. E Deus pela primeira vez na vida eterna chegou a pensar: dessa
vez fui longe demais!
Foi
então que Deus decidiu radicalizar. Quando Eva falou da decoração
ele ficou tão furioso que pensou: e se eu desse consciência para
essa mulher?”. Era uma idéia maluca, nunca nenhum outro Deus no
mundo fez isso e o próprio Deus logo se censurou. E entrou num longo
monologo interior: Afinal , seria muito cruel dar consciência a um
serzinho tão insignificante quando Eva. Imagina ela sabendo que
existe morte? Não coitada, não ia aguentar. Tá certo que
consciência também tem umas coisas legais, admito. Mas ela não
merece. Ou merece? O que é que tem ter mais gente consciente além
de mim? Não será egoísmo meu ser o único consciente em todo o
cosmos? Isso pegou para Deus. Espiritualizado como era Deus praticava
o desapego de seu ego e achou que seria justo compartilhar com
alguém. E continuou: Mas será que eles suportam?”. Foi bem nessa
hora que Eva parou na frente de Deus e começou a criticar sua
barba.. “Muito grande essa barbicha, hem? Está na hora de dar uma
aparada. Com essa autoimagem e com esse portfolio horrível que você
chama de Paraíso não vai conseguir mais trabalho de decorador”,
disse ela, irônica como uma cobra. “E depois vai vir aqui, pedir
ajuda para mamãe”. Foi a gota dágua. Novamente furioso Deus
concluiu que pior do que esta não fica e que essa Eva merecia a
consciência. Merecia nos dois sentidos, o bom de ter merecimento, e
o ruim de “essa muié merece”.
Foi
assim que ele decidiu dar a Eva a maçã do conhecimento. Na verdade
mesmo não tinha maça alguma, era só dar o conhecimento. O problema
é que ela devia querer o conhecimento e, apegada a estética como
Eva era, ela não daria bola para um conhecimento muito abstrato. Ele
precisava de uma bela fruta para simbolizar a beleza do conhecimento.
Além
disso, Deus, safo como sempre foi, já tinha percebido que seu
prestigio andava baixo e que sua egocêntrica criação não dava
muita bola para ele. Por isso, não adiantaria ele dar uma de Deusão
gostosão e, todo bonitão, oferecer solenemente a maça a Eva. Ela
ia ignorá-lo.
Foi
assim que Deus inventou a pegadinha do malandro. Sim, pois a historia
da maça foi basicamente uma pegadinha. Deus queria que Eva comesse a
maça para ter conhecimento mas não sabia como convence-la disso.
Olhando o comportamento dela concluiu: se eu disser que é proibido
ela vai querer! Foi nessa hora que Deus inventou o pegadinha. E, ao
mesmo tempo, inventou o pecado!
Ah...
O pecado! A ideia do pecado foi realmente uma das ideias mais geniais
que Deus já teve. Só empata com a ideia da mulher mesmo. Só um
grande dramaturgo como ele poderia pensar nisso. Afinal, a ideia de
pecado não faz o menor sentido do ponto de vista divino. Se tudo
aquilo era criação dele e ele era onisciente, onipotente e
onipresente porque raios algum macaco falante poderia fazer algo que
seria errado? Estava tudo sempre certo, uai. É obvio. O problema,
deus logo percebeu, é que isso de estar tudo sempre certo era chato
demais. Tal como um gatinho que brinca com acuado no canto antes de
mata-lo o legal era o homem acreditar que podia desafiar a Deus. Pois
aí é que dava jogo. Não que Deus fizesse questão de matar o
homem, nem mataria. Mas se o homem soubesse desde o inicio que já
estava tudo certo ele não participaria do jogo. E deus queria o
jogo, pois o jogo é que era divertido!! Foi assim que Deus inventou
o Pecado, o “isso não pode” e, de tabela, a culpa e o drama. E o
mais engraçado foi que Eva acreditou. Foi assim que começou a
história e o teatro, com Deus fazendo seu primeiro papel, uma
espécie de apresentador de programa de auditório, com Eva, Adão e
a Serpente falante como personagens do reality show!
A
cena vocês já conhecem: Deus chegou todo formal e fez um discurso
solene sobre as benfeitorias do Paraiso. Parecia político. Eva que
ainda não sabia da existência de políticos ignorou e achou que
aquilo era papo de decorador. Mas ao final Deus soltou sua verdadeira
arma secreta, seu maior gancho dramático, o seu famoso: “Não
pode”!!!! Deus disse: “Tudo isso é para vocês, mas tem algo que
não pode!” Eva já olhou interessada. E Deus concluiu misterioso:
“Não pode comer a maça! Não pode comer a maça!”. Não deu
outra, Eva caiu com um patinho. Ficou louca de vontade de desafiar
aquele decorador metido, queria porque queria fazer um pecado básico,
ver qual era a onda daquele tal de conhecimento. Deus via tudo do
alto e vibrava: agora esse filme vai ficar bom! Para dar mais emoção
Deus deu voz a uma serpente venenosa que atuava como o Alexandre
Frota no Casa dos Artistas, incitando Eva ao pecado. Ela caiu
rapidinho e para a alegria de Deus a história começou. O grande
finale todos conhecem e teve uma magnifica
atuação de Deus como pai ofendido! Genial. Eva caiu como um
patinho.
Já
o Adão, perdido no inicio, mas Maria- vai-com-as-outras desde
sempre, logo entrou na parada. Para Adão, Deus lançara outra
maldição: ficar tarado por Eva. Deus se livrava assim daquela
boiolagem inicial do Adão riponga e botava o homem para trabalhar.
Não deu outra, ao comer a maça Adão passou os dias a querer
seduzir Eva para ver se alcança a transcendência perdida. Para
seduzir Eva ele começou a entrar numa de construir cabanas,
castelos, pirâmides e outros brinquedinhos que exibiam poder. Para
conseguir construir tudo isso ele começou a brigar com os outros
Adãos e o filme foi ficando cada vez mais divertido. Para Deus isso
tudo foi ótimo. Primeiro porque Eva, ocupada com os pecados da maça
e contemplada em seu ego pela atenção de Adão, parou de reclamar
tanto. Só reclama as Evas que não querer comer a maça, mas aí é
cada-um-cada-um. E os Adãos viraram divertidos personagens da farsa
cômica que eles chamam de disputa do poder. Deus, sempre que cansa
de contemplar os bichinhos malucos, coloca na novela das oito e vê
os Adãos naquele jogo maluco cheio de Evas sedutoras.
Claro
que a história tem muitas outras variações e o jogo de Deus com o
homem é bem mais complexo que isso e continuará nos próximos
capítulos, mas essa parte é a verdadeira história de Adão e Eva.
E é o início da história.
Para
que o jogo ficasse mais divertido Deus, que é muito mais criativo
que os criadores de games, inventou a não-ação. Cada jogador tem
sempre a possibilidade de não-agir por um tempo e não será morto
por isso. Ao contrário, isso pode fortalecê-lo. Se o jogador-homem
começar a ter muita ânsia de fazer pontos vai explodir de gordo ou
bater o carro no poste.
Mas
não que seja fácil a não-ação. É um dos testes mais difíceis
do game da vida humana. Para dificultar a não–ação Deus criou as
necessidades materiais e deixou o homem com um pedaço do cérebro
límbico que fica facilmente viciado em suas próprias necessidades.
Isso é super legal, pois aumenta a responsabilidade do homem
jogador. Ele é que tem que decidir a cada instante. Se por um lado
ele tem dramas reais e precisa pagar as contas e dar uma trepada para
acalmar o seu límbico interior, por outro ele pode viciar nisso e
virar um doidinho que é levado a morte pela ânsia de fazer mais
pontos no game da matéria.
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