terça-feira, 28 de agosto de 2012

Primeira vez que eu morri


A primeira vez que eu morri foi a mais dramática.
Um belo tiro na boca, miolos espatifados colados no teto, carta de despedida “perdoando” a famíla para deixar todos culpados, tudo que eu tinha direito.
Inicialmente, meu plano parecia ter dado certo. Minha melodramática construção cênica da morte despertar o interesse do público. Eu aumentara meu IBOPE e por alguns dias fui o protagonista do filme multiplot de minha escola e família. Vendo tudo do alto, eu era feliz e até sabia. Exceto pela dor no queixo (mesmo sem ter corpo , eu sentia uma ligeira dor no queixo) eu vivia o filme que planejara e curtia a felicidade sádica dos grandes vingadores. Felicidade sádica? Bem... No fundo, no fundo, eu era infeliz e não sabia.
Mas como não sabia eu ainda era um homem sadicamente feliz. Homem? Bem sei lá. Eu era sadicamente feliz.
Mas aconteceu algo que eu não esperava: logo me esqueceram. Foi só chegar o carnaval que todos caíram no samba. Foi horrível. Eu ali, de negro, tentando assombrar meus amigos que me ignoraram e ex-namoradas que me abandonaram e eles todos vibrando alegria. Nunca me senti tão impotente. Nada é pior para um fantasma do que ser ignorada. É a morte. Até meu pai, que sempre foi ausente em minha vida, continuou ausente em minha morte. Apenas minha mãe sofria. Mas justo ela que sem pre me amou e não merecia isso. De repente me senti culpado e a dor que eu sentia no queixo subiu para toda cabeça e chegou ao peito. Meu coração chorava ao ver minha mãe chorando.
(Uma dica: quando for se suicidar escolha bem a data. Eu sei que você esta num transe interior, mas mesmo assim é importante saber dialogar com o mundo exterior. Afinal o suicídio é um evento externo a você. É o momento aonde seu drama interior é revelado ao mundo. É a estreia de seu melodrama de não aceitação. Por isso, tal como a estreia de um filme, você tem que escolher bem a data para não sofrer concorrências inusitadas. Um exemplo: nada de véspera de carnaval, melhor quarta feira de cinzas.)
Sofri muito até reencarnar. Reencarnei em um buraco qualquer, passei 3 vidas escolhendo famílias depressivas, mãe suicida, pai enlouquecido e empregos de funcionario público em repartição. Só para ir limpando. Foram varias encarnações melancólicas, sozinho, tentando aclamar a mim mesmo. E depois mais umas 4 encarnações vivendo perto de minha antiga mãe, tentando controlar o nervosismo e histeria dela, mostrar que estava tudo bem
Eu nem entendia muito bem, porque reencarnar, não conseguia ter forças para nada, mas também, não reclamava. Apenas vivia.
Dificil mesmo foi recuperar o prazer de viver. Agora, só hoje, eu pela primeira vezes em seculos, reparei em um flor. Era linda, amarela, e suas pétalas vibravam ao vendo. Não sei como nem porque, mas logo a seguir, reparei numa menina. Depois na grama, depois no vento, depois em tudo. Não sei como, mas pela primeira vez eu lembrei qual é a graça de viver. E a graça é olhar o mundo e agradecer a Deus por estar vivo.


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