A
primeira vez que eu morri foi a mais dramática.
Um
belo tiro na boca, miolos espatifados colados no teto, carta de
despedida “perdoando” a famíla para deixar todos culpados, tudo
que eu tinha direito.
Inicialmente,
meu plano parecia ter dado certo. Minha melodramática construção
cênica da morte despertar o interesse do público. Eu aumentara meu
IBOPE e por alguns dias fui o protagonista do filme multiplot de
minha escola e família. Vendo tudo do alto, eu era feliz e até
sabia. Exceto pela dor no queixo (mesmo sem ter corpo , eu sentia uma
ligeira dor no queixo) eu vivia o filme que planejara e curtia a
felicidade sádica dos grandes vingadores. Felicidade sádica? Bem...
No fundo, no fundo, eu era infeliz e não sabia.
Mas
como não sabia eu ainda era um homem sadicamente feliz. Homem? Bem
sei lá. Eu era sadicamente feliz.
Mas
aconteceu algo que eu não esperava: logo me esqueceram. Foi só
chegar o carnaval que todos caíram no samba. Foi horrível. Eu ali,
de negro, tentando assombrar meus amigos que me ignoraram e
ex-namoradas que me abandonaram e eles todos vibrando alegria. Nunca
me senti tão impotente. Nada é pior para um fantasma do que ser
ignorada. É a morte. Até meu pai, que sempre foi ausente em minha
vida, continuou ausente em minha morte. Apenas minha mãe sofria. Mas
justo ela que sem pre me amou e não merecia isso. De repente me
senti culpado e a dor que eu sentia no queixo subiu para toda cabeça
e chegou ao peito. Meu coração chorava ao ver minha mãe chorando.
(Uma
dica: quando for se suicidar escolha bem a data. Eu sei que você
esta num transe interior, mas mesmo assim é importante saber
dialogar com o mundo exterior. Afinal o suicídio é um evento
externo a você. É o momento aonde seu drama interior é revelado ao
mundo. É a estreia de seu melodrama de não aceitação. Por isso,
tal como a estreia de um filme, você tem que escolher bem a data
para não sofrer concorrências inusitadas. Um exemplo: nada de
véspera de carnaval, melhor quarta feira de cinzas.)
Sofri
muito até reencarnar. Reencarnei em um buraco qualquer, passei 3
vidas escolhendo famílias depressivas, mãe suicida, pai
enlouquecido e empregos de funcionario público em repartição. Só
para ir limpando. Foram varias encarnações melancólicas, sozinho,
tentando aclamar a mim mesmo. E depois mais umas 4 encarnações
vivendo perto de minha antiga mãe, tentando controlar o nervosismo e
histeria dela, mostrar que estava tudo bem
Eu
nem entendia muito bem, porque reencarnar, não conseguia ter forças
para nada, mas também, não reclamava. Apenas vivia.
Dificil
mesmo foi recuperar o prazer de viver. Agora, só hoje, eu pela
primeira vezes em seculos, reparei em um flor. Era linda, amarela, e
suas pétalas vibravam ao vendo. Não sei como nem porque, mas logo a
seguir, reparei numa menina. Depois na grama, depois no vento, depois
em tudo. Não sei como, mas pela primeira vez eu lembrei qual é a
graça de viver. E a graça é olhar o mundo e agradecer a Deus por
estar vivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário