Cosmogomia:
Segunda parte
Eu
sou é vários!
Mas
logo Ele viu que ele, ainda era muito pouca gente. Além disso, na
época Ele ainda não era muito criativo e sua primeira criação era
muito a sua imagem e semelhança. Mas já era alguma coisa. Era
alguém além Dele. Meio parecido, mas alguém. O chato é que ele
passava o tempo todo perguntando: Responda-me: Quem sou eu? Por mais
que Ele explicasse a ele que Ele era apenas uma projeção Dele
mesmo, Ele não acreditava. Desde esse dia, Ele desistiu de falar com
suas criações e percebeu que era mais legal apenas observá-las.
Foram
os piores bilênios de sua vida. Ele estava cada vez mais entendiado
com ele mesmo. Era chato para caramba ver a si mesmo ali, sendo um
chato que reclama o tempo todo e nunca alcança solução. Nada pior
que conviver com gente parecida conosco. Foi assim que Ele, pela
primeira vez na vida, pensou – por um bilionésimo de segundo –
que essa crise que ele vive há bilênios de anos era meio chata e
repetitiva. Mas foi só um instante. A seguir a crise – que ainda o
dominava – voltou a dominá-lo.
Até
que Ele – quando já estava desistindo de si mesmo - teve sua
primeira IDEIA racional! A primeira criação foi apenas intuitiva,
mas a segunda foi também racional. Ele decidiu separar Ele mesmo em
dois seres. Assim, ao invés de ficar apenas ouvindo um monólogo
Dele consigo mesmo, Ele poderia ouvir – sem participar - um diálogo
entre dois seres. Ele chamou a eles de Masculino e Feminino. A ideia,
aparentemente simples, era genial. De uma tacada só Ele inventou os
números, a matemática, a divisão, o diálogo e o teatro. Em termos
de literatura, Ele saia do lírico e entrava no modelo dramático.
Ele
aprendeu muito com aquele simples diálogo entre dois seres. Pela
primeira vez ele percebeu que esse papo de uno era ilusão Dele
mesmo. Ele era uno, mas era dois. E que ouvir o diálogo entre duas
partes de si mesmo é uma ótima forma de aprender sobre si mesmo.
Até hoje, quando um homem discute com uma mulher, eles estão apenas
trabalhando para que Ele entenda melhor suas várias facetas e sua
infinita complexidade.
Foi
assim que Ele começou a CRIAR todas as coisas... No início, Ele
criava para resolver sua crise, mas Ele logo pegou gosto pela coisa e
a criação virou um prazer em si mesmo.
No
início ele estava numa pira de que Ele era dois, estava numas de
Binário. Aí começou a separar tudo em dois. Foi assim que ele
decidiu separar a matéria do espírito. Ele adorou, achou perfeito.
A matéria era ótima para dar concretude às coisas e também
representava muito bem aquela permanente sensação de aprisionamento
que Ele sempre sofrera. Já o espírito era Etéreo e permitia que
Ele continuasse dando os seus infinitos vôos astrais.
Depois
decidiu separar o Tempo do Espaço. Ele também adorou, achou super
útil. Antes as coisas ainda aconteciam de forma muito simultânea e
eram difíceis de entender a história. Agora as coisas aconteciam
uma de cada vez, era ótimo. Foi assim que, após inventar o diálogo,
ele inventou a narrativa e à partir daí tudo ficou mais claro e ele
podia acompanhar melhor as suas histórias.
Foi
assim que surgiu o mundo físico.
Mas
logo Ele percebeu que esse papo de Binário era uma limitação, que
esse papo de que Ele era dois era outra nóia sua. Ele não era
apenas DOIS, ele era muitos.
Aí
começou a multiplicar. Foi um período áureo, sua infância
criativa. Ele passou bilênios e bilênios numas de artesanato,
brincando de massinha e fazendo seres a seu bel prazer. Foram criados
mundos e fundos nessa época. Mas o fato é que Ele também se
cansou.
Logo,
Ele começou a perceber que estava se repetindo. Suas criações
estavam virando obra de autor, começaram a expressar temas
recorrentes, repetitivos. Ele via que as possibilidades eram
infinitas e sentia que não estava sendo criativo o suficiente para
inventar tudo que deveria para poder assistir a todas suas inúmeras
facetas.
Foi
assim que ele lembrou da matemática. Ele percebeu que para entender
a si mesmo não bastava ser um artesão. Ele gostava de criar, mas
tinha que passar a gestão! Foi então que ele criou a matemática, a
programação, e a inteligência artificial.
Assim,
ao invés de criar cada coisa de forma artesanal, Ele criou o sistema
operacional que rege o mundo, um imenso algoritmo combinatório que
faz com que as coisas criem a si mesmas. O Grande Algoritmo, do qual
todas as leis da física e da biologia – termodinâmica, Newton,
relatividade do Einstein, genética - são apenas a parte que um de
seus seres - os homens – podem compreender dentro de sua parca
capacidade de abstração.
A
partir daí as coisas começaram realmente a acontecer. Ao invés de
ficar criando sozinho, Ele mesmo começou a assistir ao imenso
mistério d'A Criação.
A
partir daí Ele alcançou a felicidade! Deus hoje, é um homem pleno.
Seu
sistema operacional o surpreende a cada segundo, criando coisas cada
vez mais inusitadas. Quando dá suas raras entrevistas ele lembra do
fascínio que teve no instante aonde aquelas simples partículas de
matérias se organizaram e fizeram surgir a vida, e suas posteriores
e magníficas manifestações. “Coisas que eu mesmo nunca
imaginei!”, diz ele com o orgulho do pai que vê o filho entrar na
faculdade. Ele também chora sorrindo, sempre que conta de como –
para sua grande surpresa o sistema fez surgir um ser tão maluco como
Ele mesmo - que tal como ele sempre passa tempos em crise, apenas
pensando – Quem sou eu? – e que tal como Ele – começou a criar
coisas para tentar descobrir esse mistério. Para Ele é lindo ver
esse SER – tão pequeno, mas tão parecido com ele mesmo - passar a
cada vida por tudo que Ele passou e lutar para superar seu problema
fazendo criações como Ele mesmo criou. Ele também conta com
orgulho de como esse Ser conseguiu Ele mesmo, inventar outras coisas
que criam outras coisas: os computadores. Assim, com o Homem a
criação (C) virou exponencial e chegou ao C2 (c ao quadrado). E com
o computador a criar chega ao C3 (c ao cubo). Multiplicam-se cada vez
mais as facetas do primeiro Criador!
Por
tudo isso, Ele hoje é um homem feliz.
A
cada instante O Sistema vai criando uma faceta sua, descobrindo
novidades sobre Ele mesmo. Ele pode ficar ali, assistindo isso o
tempo todo. É verdade que Ele nem sempre tem tempo de acompanhar
tudo isso. Ultimamente Ele tem estado tão calmo que passa horas
apenas curtindo a vida em meditação. Pois já faz tempo que Ele
parou de tentar entender quem Ele é. Ele já sacou que não existe
uma resposta definitiva até porque, Ele mesmo vai mudando o tempo
todo. Ele já percebeu que Ele é tão complexo que nem Ele mesmo
entenderá.
Ele
já sacou que o problema não é esse. Que a única coisa que importa
mesmo é ir olhando a criação e criando coisas para entender um
pouco mais sobre si mesmo. Sem se preocupar em chegar a respostas
definitivas, e criando apenas pelo prazer de conhecer cada vez mais
sobre si mesmo e as inúmeras facetas d'A Criação. E do alto de sua
calma ele continua torcendo para que cada homem entenda o que Ele já
entendeu e continua criando coisas novas pelo prazer da criação.
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